terça-feira, 14 de abril de 2009

Aprendendo com a escassez

A falta de água, de energia, de terras agricultáveis e de outros bens naturais é comum no Nordeste e tende a crescer com o aquecimento global. No entanto, difundir uma série de tecnologias já em uso na região pode ajudar as populações do semi-árido a enfrentar com mais dignidade as implacáveis secas e, ao mesmo tempo, preservar a terra e reduzir a emissão de poluentes que prejudicam a saúde do planeta.

Há poucos dias, o governo federal anunciou que pretende instalar chuveiros com água aquecida pelo sol em um milhão de casas de baixa renda. Mesmo que, em seguida, tenha cortado impostos para a venda de chuveiros elétricos, tratava-se de meta ousada. Que diremos do projeto Aquecedor Solar de Baixo Custo, que pretende substituir parte da eletricidade consumida por 36 milhões de famílias?

Desenvolvido desde 1999 pela organização não-governamental Sociedade do Sol (SP), com apoio do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas da USP, usa um aquecedor de água de 200 a mil litros com materiais encontrados em lojas de construção. Para instalar um equipamento, se gastam entre R$ 250 a R$ 400, pagos em pouco tempo com a economia na conta de luz. Conforme a entidade, essa tecnologia já é usada em 13 mil residências e reduz o consumo de energia pelo chuveiro em até 75%.

Economizar a lenha retirada da Caatinga e preservar a saúde do sertanejo. Dois benefícios verificados com o uso do chamado Ecofogão (foto acima). A idéia do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis (Ider), de Fortaleza (CE), é trocar velhos fogões à lenha por modelos mais eficientes em 22 mil lares do interior cearense, até o fim do ano.
Esses fogões "ecoeficientes" diminuem em até 60% a queima de lenha e acabam com o problema da fumaça dentro das residências. Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), três pessoas morrem a cada minuto no planeta pela inalação de fumaça de fogões à lenha tradicionais. Até agora, cerca de 5.300 fogões foram implantados, em municípios como Itapipoca, Trairi e Pentecoste. Outras unidades serão financiadas pelo Governo do Ceará. Cerca de 40 milhões de brasileiros dependem do consumo de lenha, principalmente no Nordeste.

Nos anos 1950, o rei do baião Luiz Gonzaga já cantava a importância do algodão para o nordestino:

Sertanejo do norte
Vamos plantar algodão
Ouro branco que faz nosso povo feliz
Que tanto enriquece o país
Um produto do nosso sertão*

Com tamanha inspiração, agricultores familiares do semi-árido cearense se tornaram protagonistas no plantio de algodão associado ao cultivo de milho, feijão, gergelim e guandu, além de árvores como nim e leucena. Essa boa prática se espalhou do município de Tauá pelas mãos do Centro de Pesquisa Esplar, hoje com 320 agricultores. A Associação de Desenvolvimento Educacional e Cultural de Tauá comercializa a fibra desde 2004 com a Veja Fair Trade, da França, e com a Justa Trama, no Rio Grande do Sul. Enquanto uma usina no Ceará compra 15 quilos do algodão tradicional por cerca de R$ 12, no sistema de "comércio justo" os produtores recebem R$ 24,90 pela mesma quantidade.

Segundo a Organic Trade Association, o algodão ocupa menos de 2,4% da área agricultável do planeta, mas é responsável por cerca de 24% das vendas do mercado global de inseticidas e 11% das vendas globais de pesticidas. Uma alternativa para esse cenário é o algodão orgânico, já cultivado em mais de 18 países e no interior do Ceará.

Quem vive da agricultura sabe da importância de boas sementes para se garantir o sucesso e o sustento com a próxima safra. Seus preços, no entanto, costumam pesar no bolso de pequenos produtores. Ou melhor, costumavam. Graças à Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), foi montada a Rede de Sementes da Paraíba. Com esse estoque comunitário, cada família associada empresta sementes e devolve um pouco mais após a colheita. Cerca de 6.500 famílias, de 63 municípios estão ajudando a conservar mais de 300 variedades de milho, feijão, fava, mandioca, girassol, amendoim e espécies forrageiras e frutíferas resgatadas pelas próprias comunidades.

Todavia, segundo especialistas, esse modelo é ameaçado pelo tamanho cada vez mais reduzido das propriedades familiares e pela irregularidade climática. Roçados diminutos dificilmente produzem o suficiente para alimentar uma família e recompor as reservas de sementes para a próxima safra. A região Nordeste tem dois milhões de propriedades agrícolas familiares, que correspondem a 42% do total de unidades agrícolas do país. Cerca de nove em cada dez delas possuem menos de cem hectares e 65% têm menos de 10 hectares, conforme a Embrapa.

Também coordenado pela ASA, o programa Uma terra, duas águas (P1+2) prevê a construção de 1.146 cisternas calçadão, 143 barragens subterrâneas e 208 tanques de pedra, beneficiando 3.369 famílias. Também está prevista a implementação de 500 bombas d'água populares, ajudando seis mil famílias. Tudo isso para que essas populações tenham não só água para beber, mas também para produzir alimentos com manejo adequado da terra. As metas da iniciativa envolvem quase cem comunidades de dez estados, no Nordeste e Minas Gerais.

Conforme explica Larissa Barros, secretária-executiva da Rede de Tecnologia Social (RTS), experiências como as citadas acima nasceram do casamento de sabedorias populares e acadêmicas e, apesar de na sua maioria ainda serem usadas de forma pontual, algumas têm obtido maior escala e até reconhecimento como políticas públicas. Exemplos são o programa um milhão de cisternas, barragens subterrâneas, tanques e outras tecnologias que acumulam água para produção de hortaliças, frutas e outros alimentos", contou. "Todas as iniciativas são muito preocupadas com a questão da sustentabilidade. Nosso semi-árido é o que tem mais água no mundo, só que ela vai embora. Agora há todo um movimento para captação e uso nos períodos mais secos".

Esses e muitos outros projetos em curso em todo o país serão apresentados no 2º Fórum Nacional da Rede de Tecnologia Social e na 2ª Conferência Internacional de Tecnologia Social, que acontece em Brasília (DF), de 15 a 17 de abril. Mais informações aqui.

* trecho da música Algodão, de Luiz Gonzaga e Zé Dantas (1953)

Fonte: Fantástico

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