A energia eólica já é uma das principais fontes de geração de energia elétrica na Europa e vem ganhando força nos Estados Unidos, na China e na Índia. No ano passado, ela cresceu quase 30% em todo mundo. No Brasil, ela ainda não representa sequer 0,5% de tudo que é gerado. Mas em 25 de novembro deste ano, esse cenário pode mudar.
O governo federal marcou para este dia a realização do primeiro leilão específico da história desta fonte no País. No último dia 14 de julho, a Empresa de Pesquisa Energética anunciou que 441 projetos foram inscritos para participar do certame. Juntos, eles representam 13,341MW, quase o equivalente a usina hidrelétrica de Itaipu.
Em entrevista exclusiva ao Jornal da Energia, o presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Lauro Fiúza, diz que todo o setor ficou surpreso com a quantidade de investidores que mostraram interesse em participar do certame. Segundo ele, isso prova que o segmento precisa de uma política de longo prazo e que o bom número de empreendimentos vai mostrar ao governo que ele precisa acordar e estimular a expansão da fonte.
Fiúza se diz preocupado com as condições de financiamento dos projetos. Segundo ele, se o governo comprasse toda a energia que poderia ser gerada por essa imensa carteira de projetos, seriam necessários R$66 bilhões. "Mas é óbvio que o governo não vai contratar tudo", esclarece o executivo, que ainda afirma que as rodadas de negociações com os bancos já começaram.
A expectativa da associação é que sejam licitados no leilão de 1GW a 3GW de parques eólicos. Mas para que isso aconteça, ainda é preciso definir como essas usinas serão conectadas ao Sistema Interligado Nacional. Além disso, é preciso negociar equipamentos com as indústrias nacionais e estrangeiras e fazer as contas para ver se compensa pagar o imposto de importação sobre os aerogeradores que o governo elevou no mês passado em 14% ou comprar as máquinas no Brasil.
Que avaliação o sr. faz do resultado do cadastramento de projetos para o primeiro leilão de eólica do País?
Lauro Fiúza: Eu acho que todos nós, tanto a Abeeólica, quanto o Ministério de Minas e Energia, ficamos surpresos com o volume de projetos inscritos. Nós tínhamos uma expectativa de menos da metade disso e ficamos muito felizes de ver que o setor já merece uma atenção diferente daquela que se estava dando até agora. Além disso, esta é uma mostra de que existe potencial e interesse do setor privado em investir neste segmento.
Dos projetos inscritos, dá para se ter uma noção de quantos são bons e quantos têm baixo fator de capacidade?
Lauro Fiúza: A EPE vai fazer esse trabalho de avaliação do que está cadastrado. Eu imagino que pelo menos 6 mil MW são projetos muito bons. Mas existiam muitas empresas fazendo trabalhos competentes sem muito alarde. Muitos players capitalizados e que têm conhecimento no assunto cadastraram projetos. É dificil imaginar quanto disso é bom, médio ou ruim. Mas eu acho que a a grande maioria é coisa muito boa. Claro que deve ter alguns que são descartáveis. A EPE está fazendo agora um pente fino nos empreendimentos.
Os projetos cadastrados têm como origem majoritariamente capital nacional ou internacional?
Lauro Fiúza: A grande maioria das empresas que estão hoje no mercado são de capital estrangeiro. As grandes empresas mundiais estão no Brasil. Tem muita gente grande olhando pro Brasil com interesse. Esse é o segmento que mais cresce no mundo em termos de geração de energia e o Brasil desperta o interesse de todos os investidores do mundo por conta do potencial. A grande maioria, definitivamente, é de capital estrangeiro.
O que o sr. acha que ainda precisa ser definido no âmbito do leilão?
Lauro Fiúza: Uma coisa que estamos discutindo há muito tempo e a EPE tem todo interesse em solucionar antes do leilão é a questão das linhas coletoras, chamadas de ICGs. Este foi um artifício criado para dar sustentabilidade ao leilão de biomassa e isso é fundamental para o sucesso do leilão de eólica. Essa estação coletora faz com que o custo que o gerador teria com a construção das linhas seja dividido. Temos que ter uma ajuda do Estado para unificar, planejar e compartilhar o investimento, barateando o custo final do empreendimento.
Dá para se ter uma ideia de quantas ICGs serão necessárias?
Lauro Fiúza: Eu não tenho a menor noção. Esse é um trabalho que a EPE vai fazer e nós temos tido contato permanente com eles. Eles vão avaliar o número de projetos inscritos por região e fazer o mapeamento disso.
Além da definição das ICGs, que outra preocupação o leilão ainda causa na Abeeólica?
Lauro Fiúza: Sempre que existe investimento há necessidade de financiamento. Se tudo isso (os 13,341MW) fosse comprado pelo governo, estaríamos falando de R$66 bilhões. Mas é óbvio que o governo não vai comprar tudo isso. A expectativa é que esse leilão gire em torno de 1GW a 3GW de potência, o que daria uma garantia física de 1,2GW médios ou 1,3GW mpédios. Com este montante, estaríamos falando da necessidade de algo entre R$8 bilhões a R$15 bilhões. Óbvio que temos que esperar do BNDES, Sudene, Banco do Nordeste, Caixa Econômica Federal a disponibilidade de funding para os investimentos. A iniciativa privada entra geralmente com 30% do investimento.
Com estão as conversas com o BNDES?
Lauro Fiúza: O BNDES tem linhas abertas para isso. O orçamento é bem grande. Temos que ter a garantia que vai haver disponibilidade para 2010. Os investimentos serão feitos em 2010 e 2011. Com a queda de arrecadação dos impostos, o Banco do Nordeste teve queda de orçamento, a Sudene tem o orçamento bloqueado pela obra da Transnordestina. Ou seja, não podemos contar com a Sudene em 2009 e 2010 A Caixa Econômica eu desconheço qual a disponibilidade para este setor. Começamos a nos preparar para conversar com as entidades.
Como estão as negociações para a obtenção de uma política de longo prazo para o setor?
Lauro Fiúza: O cadastramento tão elevado representa uma sinalização do interesse pelo setor. Agora, eu tenho certeza que o governo acorda e passa a ver esse segmento no longo prazo. O que estamos sempre solicitando é que se crie um política de longo prazo. O setor não pode viver de leilões em datas impresíveis, a cada cinco anos. O setor privado está demonstrando interesse. Se nós não tivermos o programa de longo prazo, todo esse caminho feito até agora começa a fraquejar.
Em que consistiria essa política de leilão de longo prazo? Leilões anuais, incentivo fiscal?
Lauro Fiúza: No mínimo, leilões anuais. É o que chamamos de Programa 10-10, ou seja, 10GW nos próximos 10 anos. Isso seria um sinalizador importante para a indústria e para os investidores.
O sr. acredita que com a contração de 1GW por ano a indústria internacional se interessaria pelo Brasil?
Lauro Fiúza: Sem sombra de dúvida. Todos os grandes montadores do mundo estão no Brasil. A montadora não fabrica 100% daquilo que é necessário no gerador. A indústria brasileira está preparada para suprir peças e componentes para qualquer indústria que venha para cá. Essas indústias só virão se estabeceler como montadoras se tiverem visão de longo prazo para o mercado. É assim que todos fizeram. A eólica não sobrevive sozinha, ela requer investimentos de longo prazo e quem pode fazer isso é um programa de governo. Assim foi na Alemanha, está sendo nos EUA, na China, na Índia.
Qual a importância da redução que o governo fez do limite de importação de aerogeradores de 2MW para 1,5MW?
Lauro Fiúza: Primeiro, nós sempre levamos às autoridades a ideia de não existir proibição de importação. O mercado mundial está ofertando, há uma janela de oportunidade que poderíamos aproveitar e trazer equipamentos com custos mais baixos. Esse limite não incentiva a indústria nacional. Ela cria barreiras para que indústrias venham para o Brasil. Ele cria monopólio, reserva de mercado, o que é péssimo para o mercado. Se criam-se barreiras, não se cria mercado. É o ovo e a galinha. Mas o governo foi sensível e baixou de 2MW para 1,499MW. Isso já ajuda muito. A grande variedade disponível de aerogeradores está entre 1,5MW e 2,5MW. No entanto, o governo elevou o imposto de importação dos equipamentos.
Qual impacto isso pode trazer para o leilão?
Lauro Fiúza: Isso é um contra-senso. Ninguém compra equipamento sem o contrato de energia. Os volumes são muito altos, a não ser duas ou três empresas que têm investimentos no mundo inteiro podem trazer equipamentos antes do vencimento do prazo estipulado pelo governo para não se pagar os 14% de imposto. Isso porque, se elas ganharem no leilão, elas usam, caso contrário elas mandam de volta.
O sr. acredita que os investidores irão importar a maioria dos equipamentos?
Lauro Fiúza: Cada parque eólico tem suas características específicas de vento, topografia, umidade. Cada projeto precisa ser analisado para saber qual o melhor equipamento. No Brasil temos duas fábricas que fornecem dois modelos e não necessariamente ele atendem a todos os interesses. Alguns parques vão ter condições de comprar equipamentos nacionais, outros terão que importar. Não se pode dizer que uma máquina de 2MW serve para todos os parques. Isso depende do fabricante, do modelo, do tamanho da pá.
Qual o mito sobre o custo da energia eólica. Ela é cara?
Lauro Fiúza: Há muitas inverdades nessas declarações. O consumidor está sempre dizendo que a energia é cara. O que está encarecendo a energia no Brasil? A entrada das térmicas. O Brasil está usando cada vez mais térmicas para complementar a geração hidrelétrica. Temos que comparar o preço da eólica com as termelétricas a diesel, óleo, carvão e gás. A eólica é a mais barata de todas as formas complementares. A hidrelétrica custa R$146 por MWh e a eólica custa R$200, mas não se diz que a térmica a diesel custa R$800. As tarifas estão crescendo em função do uso da térmicas. Quanto mais eólicas tivermos, menos térmicas vamos usar e, com isso, menor custo vai ter o sistema.
Com relação ao preço-teto do leilão, o que seria um valor bom para os investidores?
Lauro Fiúza: Eu tinha uma expectativa de valores que agora está comprometida por conta do aumento do imposto de importaçãol, pois o investimensto vai crescer. São contas que estão sendo feitas agora. Eu acredito que o preço-teto deve começar de R$250 a R$270 por MWh e tudo vai depender realmente da flexibilização desse imposto de importação e do volume de empresas que queiram participar. Mas tudo tem um limite que é a taxa interna de investimento.
Mas o sr. acha que os investidores vão disputar até quanto?
Lauro Fiúza: Não tenho a menor ideia. É lei de mercado. Poderia ser mais baixo se o governo não criasse políticas de importação. Forçaria a indústria brasileira a reduzir os preços.
O sr. acha possível o valor do MWh negociado ficar abaixo dos R$200?
Lauro Fiúza: É difícil dizer. Todo mundo agora começa a fazer conta. A fase de negociação de equipamentos começa agora. Isso também vai depender da disponibilidade de financiamento.
A Abeeólica está trabalhando em uma política de desoneração tributária para este setor?
Lauro Fiúza: O ministério nos soliticou opiniões sobre o que entendemos que seria necessário tirar de gargalos da política fiscal que incide na indústria brasileira. Até o final do mês estaremos com este trabalho pronto. A ideia é dar competitividade à indústria brasileira, para ela ter condições de competir com os equipamentos importados.
O que está emperrando no campo tributário?
Lauro Fiúza: A estrutura fiscal do Brasil. A cobrança de impostos em cascata faz com que o produto nacional custe 70% mais caro que o importado. Deveria-se taxar a energia, não a geração de energia.
O sr. acha que a indústria eólica brasileira atenderá toda a demanda do leilão?
Lauro Fiúza: Obviamente que não. E não é uma questão de capacidade, mas sim de modelos disponíveis.
Qual o mercado os investidores estão procurando mais?
Lauro Fiúza: Prioritariamente a Europa. A Vestas, Gamesa, Acciona, GE, Suzlon e Enercon são as empresas mais procuradas.
fonte: jornal da energia
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