segunda-feira, 22 de junho de 2009

A fala de um ministro eólico

Carlos Minc, do Meio Ambiente, não é um Ministro como os outros. O terno dele é um colete, o sapato um tênis e seu desembaraço uma espécie de momento de descontração que não termina nunca. É uma homem show da ecologia.

Ele passou a noite da última quarta para quinta-feira em Natal com a missão de participar da abertura do Fórum Nacional Eólico. Dormiu no hotel da Via Costeira onde foi realizado o evento. Às 8 da manhã foi nadar nas águas pouco amistosas daquele trecho. Deve ter passado um bom tempo por lá, pois apareceu às 10h30m sem ter tomado o café da manhã.

“Preciso carregar as baterias”, avisou aos jornalistas que o aguardavam como a estrela maior do dia. Foi ao restaurante, escolheu algumas frutas, pãezinhos e sozinho preparou a exposição da figura.

A governadora Wilma de Faria, anfitriã do evento, esperou por 10 minutos para cumprimentá-lo. “Não queria atrapalhar sua entrevista, Ministro”, disse afavelmente. “Governadora, você está eco-chique!” - disse Minc com um abraço apertado. Ela usava um terninho bege. A entrevista terminava aí.

Carlos Minc esperou a primeira pergunta e respondeu a todas que não ouviu. Ligou o motor e acelerou. Com o sotaque arrastado, falou sobre energia eólica de uma vez só. E aproveitou para ironizar a todos que com suas flechas “carvoeiras e oleosas” querem atingir seu coração”.

A seguir, a íntegra da entrevista de Carlos Minc.



A terra do sol

“O Brasil é a terra do sol, a terra dos ventos, a terra a biomassa. A nossa matriz nos últimos anos tem ficado mais suja e mais cara por causa das térmicas a carvão e das térmicas a óleo.

Nós tomamos uma medida corajosa e única no mundo: obrigamos essas términas a carvão e a óleo mitigarem todas as suas emissões de CO2. Elas vão plantar milhões de árvores e, é claro, isso vai aumentar o custo relativo, mas nós temos que ter boas hidrelétricas, sobretudo temos que ter muita energia eólica.

Eu estive em Portugal, que é um país do tamanho do Rio de Janeiro, e encontrei lá quatro vezes mais energia eólica do que no Brasil. Uma coisas dessas não tem nem pé, nem cabeça. Nós temos que entender porque estamos tão atrasados.

Não podemos perder o vento da história. Como fazer?

Primeiro, tornar o equipamento eólico mais barato. O ministro Guido Mantega me prometeu que vai cortar o IPI dos equipamentos de energia eólica. Segundo: tem que ter leilão todo o ano. Mas não é leilão de mil megawatts – é de 2 a 3 mil megawatts para formar um parque eólico nacional.

Enquanto não se formar um parque, não se pode exigir um nível de nacionalização muito alto. Isso é completamente errado. Eu investiguei nos países que tem muita energia eólica – EUA, Alemanha, China, Espanha – eles começaram baixinho e foram aumento o nível de nacionalização de seus parques na medida em que eles foram aumentando.



Licenciamento

Nós temos que ter um licenciamento mais rápido. Nós, do Ibama, vamos correr para fazer um licenciamento mais rápido para a energia eólica off shore. O Ceará quer, o Espírito Santo quer e muitos estados querem.

Nós temos a oportunidade de criar muitos empregos com uma energia de baixo impacto. O Brasil não tinha plano, não tinha metas, não tinha Fundo Amazônia e vivia levando pancada em tudo que era fórum internacional. Hoje, nós temos plano, nós temos metas, nós temos Fundo Amazônia e somos elogiados pelo Ban Ki-moon, que é o secretário geral da ONU, e pelo Al Gore, que é o Al Gore.

Agora, não basta ter um plano, é preciso fazer o cumpra-se desse plano. E para isso precisamos ter boas hidrelétricas e, sobretudo, muita energia eólica.



Sobre o Fórum

Eu acho esse encontro importante, organizado por tantos secretários estaduais de meio ambiente. E a Carta dos Ventos é um exemplo. Começamos com um nome poético. São 10 medidas muito grandes para alavancar a energia eólica do Brasil.

Nós podemos ter 20, 30, 50 mil megawatts. Nós vamos fazer a maior hidrelétrica de todas, em Belo Monte, no Pará. Serão 11 mil megawatts. O potencial brasileiro de energia elétrica são cinco, seis, oito Belo Monte. Só que não inunda a terra de índio, não inunda a Amazônia, a onça não tem que fugir para o outro lado, não é preciso mais ficar discutindo com os ribeirinhos e o Ministério Público.



Guerra ecológica

Cada usina hidrelétrica é uma guerra. Nós estamos começando esse processo agora por bacias hidrográficas para simplificar. Por isso mesmo, não acontecerão os projetos hidrelétricos como o do Araguaia e sim aqueles mais encaixados, como o do Tocantis. A tendência e fazer como as plataformas de petróleo, sem a necessidade de criar cidades ou estradas – você vai lá, constrói, liga na rede e não precisa mais de cinco pessoas para tocar.

A energia eólica parte de um conceito mais qualitativo. O Brasil precisa ter um papel preponderante em Copenhague no mês de dezembro, defendo as posições brasileiras sobre as mudanças climáticas. Quando mais se reduz o desmatamento da Amazônia, quanto mais se aposta em energias alternativas, descarbonizada, com maior aproveitamento da biomassa, que gera pouco calor para não aumentar a febre do planeta, a mesma febre que derrete as geleiras e aumenta o nível do mar - mais moral teremos nos grandes fóruns internacionais. Mais teremos protagonismo, uma voz ativa nas resoluções de Copenhague.



Complemento da eólica

Eu atribuo a essa reunião de Natal, da Carta dos Ventos, uma virada histórica. O Brasil que, até hoje, desprezou a energia eólica, neste momento, neste lugar, abençoado por estas praias maravilhosas nas quais já tive oportunidade de nadar por dois km esta manhã, para me fortalecer com a energia renovável das marés, acho que hoje e aqui vai ser o dia da virada. Vai ser o dia que a energia eólica deixará de ser o patinho feio, deixará de ser o secundário ou aquilo que certas pessoas falam para ser ser avançadinho para ser uma alternativa.

Nós sabemos que energia eólica é complementar. No caso do Nordeste, eólica e elétrica são o complemento perfeito. Um casamento perfeito. Mas para isso acontecer várias medidas precisam ser tomadas. E a reunião de hoje é para dizer aos governantes municipais, estaduais e federais quais são essas medidas que farão com que a energia eólica vire uma alternativa complementar, real e efetiva, com um custo mais baixo e uma efetividade maior. E com ligações à rede de distribuição – que é um dos fatores que encarece. Enfim, criar parques eólicos, mobilizar nossa área de ciência e tecnologia investindo em localidades onde se possa implantar tecnologia de última geração em matéria de energia eólica. Isso é importante. Não os cataventos do passado – aqueles contra os quais Dom Quixote investia com o seu rocinante e a sua lança. Mas as modernas turbinas eólicas computadorizadas de 2, 2,5 megawatts, que são uma alternativa competitiva.



Exemplo externo

Nos EUA, a energia eólica é competitiva sem subsídios. E não faz sentido o Brasil, a terra dos ventos e do sol, investir em térmicas a óleo e a carvão. E hoje, aqui em Natal, é o dia da virada. E a legislação deve ser modificada para ajudar nesse processo. O licenciamento deve ser mais simples e rápido, sobretudo no caso da eólica off shore. Deve-se quebrar os custos elevados da eólica. Criar um planejamento de rede onde coincida o mapa da incidência dos ventos com as linhas interligadas das redes de distribuição do Brasil. E fazer com que as outras energias mais sujas, mais poluentes, incorporem o custo da sua poluição.

Quando nós dissemos agora que as térmicos à óleo e a carvão vão ter que mitigar todas as suas emissões, as pressões sobre mim aumentaram. Os carvoeiros e os oleosos estão dirigindo farpas e flechas traiçoeiras contra o meu coração. Mas isso não mudará: eles devem arcar com os prejuízos que eles jogam sobre as costas da saúde e das autoridades.



Leilões anuais

No final do ano, teremos um leilão de mil megawatts. Nós temos que ter leilões todo o ano. E para formar um parque eólico, precisamos ter leilões de no mínimo 3 mil megawatts por ano. Eu diria que esse leilão de mil megas do fim do ano será apenas um aperitivo, uma azeitoninha no Martini. Agora, será insuficiente. Um leilão de mil mega não cria um parque eólico.

Hoje, um equipamento de energia solar paga 18% de IPI e um chuveiro elétrico paga 0%. Tem alguma coisa errada. Nós temos um plano de clima, que o presidente Lula assinou em dezembro, e agora nós temos que fazer um cumpra-se nesse plano de clima.

Este ano, o desmatamento da Amazônia será o menor dos últimos 20 anos, graças ao combate à impunidade, do corte ao crédito dos desmatadores. É preciso bater no criminoso ambiental, sobretudo nos pecuaristas que estão destruindo a Amazônia e, por outro lado, dar alternativa para que a população viva com dignidade, sem destruir o bioma.



Questão cultural

No Brasil, não há ainda uma grande cultura para eólica. As pessoas acham que é caro, que é residual, enquanto países como a Dinamarca e a Noruega, de 20 a 30% da geração de energia é eólica. Portugal tem hoje 4.800 mega, enquanto o Brasil tem 1.500 mega de geração. Não é possível uma coisa dessas. Então, eu acho que as mentalidades tem que mudar. E isso é difícil, porque há um neoconservadorismo muito grande. Tem gente que acha que a energia eólica vai matar os pássaros, quebra, é cara, não funciona. Isso, enquanto EUA, China, Alemanha, Espanha estão dando grandes saltos em matéria de energia eólica. E muita gente se esquece que o Brasil já tem um plano clima, com metas para a redução das emissões.

O setor privado está doido para fazer investimentos. O problema é que licenciamento breca; governo não faz leilão; imposto é caro; não liga na rede. E aí tantos investidores como as universidades ficam sem saber se vão apostar as fichas nisso”.

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